Juiz determina bloqueio de chaves PIX de devedores de R$ 4,5 milhões
Por: Laura Ignacio
Fonte: Valor Econômico
Uma sentença da Justiça de São Bernardo do Campo (SP) mandou
bloquear as chaves PIX de uma empresa e quatro sócios para tentar forçar o
pagamento de uma dívida que, atualizada, ultrapassaria R$ 4,5 milhões. O
caso trata da cobrança de indenização após condenação judicial contra a
qual não cabe mais recurso e tentativas infrutíferas de localização de bens,
embora o patrimônio dos devedores seja exibido nas redes sociais.
Para especialistas, mesmo considerando que o processo de cobrança foi iniciado
no ano de 2005 - já tem mais de 5 mil páginas -, a determinação judicial de
bloqueio das chaves PIX acende um sinal de alerta porque pode inspirar outros
magistrados a aplicar a medida nas ações de cobrança em geral, inclusive
trabalhistas. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) há, hoje, 78
milhões de processos em curso no país e, desse total, 56,5% são execuções
(ações de cobrança).
“Essa decisão é mais drástica do que a Lei Magnitsky porque engessa o cidadão
em relação a qualquer ato da vida civil”, afirma o advogado que representa os
credores no processo, Paulo Sérgio Santo André.
No caso concreto, uma família entrou com ação de responsabilidade civil com
pedido de indenização por danos morais e materiais. Isso porque o pai/marido
morreu após ser atingido na rua por uma empilhadeira desgovernada usada pela
empresa. O processo foi julgado procedente e gerou um título executivo
judicial, com acórdão transitado em julgado em junho de 2009.
A partir daí, o advogado tentou encontrar bens dos devedores por diversas vias.
“Como a empresa mudou de endereço, mas abriram outra do mesmo ramo,
com nome parecido e os filhos proprietários, pedimos a desconsideração
inversa da personalidade jurídica para alcançar os bens dessa segunda empresa”,
diz. “Como não havia bens em nome dela, obtivemos a penhora do
faturamento, mas demoraria cerca de 300 anos para pagarem o que devem.”
O advogado foi atrás, então, de veículos, imóveis e contas bancárias dos
devedores, mas nada foi encontrado por meio de sistemas como o Sisbajud e o
Renajud. “Só conseguimos R$ 400 mil de uma poupança, o que já foi abatido
da dívida”, diz.
Os devedores, afirma André, ostentam nas redes sociais carros de luxo, jet ski,
entre outros, mas escondem os bens. “O não pagamento da dívida é um
deboche para a sociedade, para o Poder Judiciário e para a família que perdeu o
pai”, conclui.
Com base nas provas de tentativas frustradas de busca de ativos assim como
provas digitais de ocultação de patrimônio, o advogado chegou a pedir também
o pagamento de uma multa por ato atentatório à dignidade da Justiça. A
penalidade aumentou em 10% o total devido mas, mesmo assim, não incentivou
a quitação pelos devedores.
Em 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que, esgotadas todas as
alternativas típicas para a localização de bens do devedor pode-se restringir
CNH e passaporte (ADI 5941). Na ocasião, os ministros analisaram o inciso IV
do artigo 139 do Código de Processo Civil (CPC).
De acordo com esse dispositivo, é dever do juiz “determinar todas as medidas
indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para
assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por
objeto prestação pecuniária [dinheiro]”.
Dia a dia financeiro prejudicado deverá pressionar os devedores a pagar”
— Elias de Medeiros Neto
Com base nessa decisão, a família voltou ao Judiciário para pedir a aplicação de
medidas atípicas de cobrança. Além do bloqueio das chaves PIX, a sentença
determina: impedir a circulação de veículos dos devedores, penhorar as
criptomoedas registradas em nome deles e inscrever os condenados no sistema
de proteção ao crédito Serasa. O juiz ainda requereu informações sobre um
imóvel locado e sobre eventual salário que conste no sistema Prevjud.
“Como bem observado pelo exequente [credor], só uma prestação de
financiamento do automóvel Volvo XC40 deve ter superado quase um ano de
depósitos, a título de faturamento, feitos pela empresa-executada”, observa o
juiz Gustavo Dall Olio, na sentença (processo nº 0037671-44.2005.8.26.0564).
“Ficou clara a intenção de protelar e não pagar, já que os devedores têm
condições para isso”, diz André.
O ponto mais interessante da sentença para os especialistas é o bloqueio das
chaves PIX. “As técnicas de busca de ativos financeiros pelo Sisbajud podem
não coincidir com o tempo de transferências mais céleres que podem acontecer
via PIX”, afirma o advogado Elias Marques de Medeiros Neto, sócio do
TozziniFreire e especialista em direito processual. “Com seu dia a dia financeiro
prejudicado, os devedores deverão ser pressionados a apresentar um plano de
pagamento ao juiz.”
Medeiros lembra que, segundo o CNJ, a taxa de congestionamento médio das
execuções no Judiciário é de 80,6%. “A suposta ausência de bens do devedor
se relaciona diretamente com essa alta taxa porque impede a conclusão do
processo”, diz.
Embora o STF tenha declarado o inciso IV do artigo 139 do CPC
constitucional, a Corte não estabeleceu os requisitos para a sua aplicação,
aponta o advogado. A expectativa agora é o julgamento pelo Superior Tribunal
de Justiça (STJ) do Tema Repetitivo 1137, pelo qual a Corte deverá abordar
esses critérios.
“Por enquanto, a 3ª Turma do STJ vai na linha de que é necessário: indícios de
que o devedor tem patrimônio e oculta; a medida deve ser subsidiária (após
esgotadas as medidas típicas); e observar sempre os postulados do contraditório
e da proporcionalidade”, diz ele. “Na recente sentença que determinou o
bloqueio das chaves PIX, o juiz justificou a adoção das medidas atípicas com
base nesses mesmos requisitos. Talvez esse entendimento deva prevalecer”,
conclui.
Procurados pelo Valor, os representantes dos devedores não foram
encontrados.